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Crise no Porto de Itajaí acentua drama dos trabalhadores: "Nunca passamos por essa situação"
26/07/2023 09:35
Desde janeiro sem renda, cerca de 400 trabalhadores sobrevivem de bicos e pedem por retomada da movimentação de cargas
Pedro Stropasolas
Brasil de Fato | Itajaí (SC) |
26 de Julho de 2023 às 07:14
Um dos maiores e mais importantes portos do país esvaziado. Desde janeiro, praticamente nenhum navio carregado de contêineres atraca no Porto de Itajaí, em Santa Catarina. O colapso impacta diretamente na vida dos Trabalhadores Portuários Avulsos (TPA´s), que passaram a sobreviver de “bicos”.
“Todos os funcionários que prestavam serviço direto para o terminal foram demitidos. Cerca de 600 empregos foram perdidos. E dos trabalhadores portuários avulsos, em torno de 400 trabalhadores estão ociosos sem nenhuma fonte de renda, aguardando a retomada da movimentação”, pontua Correio Júnior, presidente da Intersindical dos Trabalhadores Portuários de Itajaí.
“Nós temos os trabalhadores aqui que fazem o serviço braçal. Dependendo da movimentação do porto, o salário mensal variava de R$ 4 mil a R$ 8 mil. Hoje, com a movimentação atual, os trabalhadores não chegam a conseguir tirar em média R$ 500 por mês”, completa o trabalhador da capatazia.
O contrato de arrendamento do Porto de Itajaí com a gigante APM Terminals, que pertence ao grupo Maersk, se encerrou em 31 de dezembro de 2022. Era responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro, antes do fim do contrato, executar um novo leilão de concessão, o que não ocorreu. Em 2022, foram anunciadas três datas para o lançamento do edital pelo Ministério dos Transportes de Tarcísio de Freitas, que não se concretizou.
A empresa holandesa chegou a assinar um contrato temporário com a administração do porto até 30 de junho deste ano, mas não quis renovar. Desde o fim do contrato, houve uma queda de 95% na movimentação nos quatro berços de atracação. Os principais são o 1 e 2, que foram geridos pela APM por 22 anos.
O Brasil de Fato visitou a região para entender o impacto da paralisação das atividades no porto para a vida destes trabalhadores.
“Já tivemos enchentes em 1983, que levou o cais. Em 2008, que levou o armazém. Mas nunca passamos por essa situação. Nem o porto, nem o trabalhador portuário”, sintetiza Carlos Alberto Correia, que trabalha ali há 26 anos.
Histórias do porto
Ricardo Antônio dos Santos começou a trabalhar no Porto de Itajaí em 1994 na capatazia. Sua história nesse local, no entanto, é anterior. O pai começou a trabalhar ali em 1975, assim que o filho nasceu.
Ele lembra das diferentes etapas do porto: desde a fase madeireira, a fase da exportação de açúcar, dos frigoríficos, até chegar na atual configuração, centrada no recebimento de contêineres.
“A vinda de contêiner veio em torno de 1995, para os primeiros navios americanos da antiga Ivaran. E aí o porto foi se adaptando, tendo que derrubar armazéns, tendo que derrubar frigorífico, para modificar para o setor de contêiner. Teve que reforçar o cais para receber os portêineres, os guindastes de grande porte, as empilhadeiras, reforçar o piso, e aí foi se adaptando, e criando uma sustentação para a vinda do contêiner, onde foi se acabando a carga geral. Toda essa carga que vinha em navio de carga geral foi se modificando para dentro de cargas conteinerizadas”, relembra o trabalhador.
Os Trabalhadores Portuários Avulsos (TPA`S) prestam serviço a várias empresas, sem possuir vínculo empregatício. Esta modalidade está regulamentada na legislação brasileira através da Lei 12.023/2009, que garantiu uma série de benefícios, como o direito de serem segurados obrigatórios do INSS.
No Porto de Itajaí, são seis categorias de trabalhadores avulsos previstas em lei: a estiva, capatazia, a conferência de carga, o conserto de carga, a atividade de limpeza e conservação, e a vigilância de embarcações. Além disso, existem os funcionários do próprio terminal portuário, e os servidores da superintendência.
Apesar de possuírem direitos assegurados, eles não têm renda garantida. Sem navios, não há salários.
“Antes de acontecer tudo isso que está acontecendo, eu passava com meu neto na frente do porto, ele olhava e dizia: ‘quando eu crescer eu quero trabalhar no porto movimentando caixinhas igual o vô’. Hoje a gente passa, eu faço o mesmo trajeto, ele pergunta: ‘vô, cadê as caixinhas? Eu não vou mais trabalhar no porto?’ Então assim, hoje, além da falta da nossa renda, é com tristeza que eu passo com a família por aqui sabendo que é incerto que vou deixar uma herança para os meus netos. Herança essa que foi deixada do meu avô, do meu pai pra mim”, lamenta o trabalhador.
“Nós estamos desde janeiro sem renda. É difícil. Quando fica um mês aperta uma coisinha, mas são seis meses, o nosso trabalhador tá passando dificuldade, o sindicato está tentando dar aportes da maneira que pode, mas também não podemos fazer milagres. É bem lamentável", complementa Carlos Alberto Correia.
Novo edital
Na última quarta-feira (19), o ministro de portos e aeroportos, Márcio França, anunciou um edital para que uma nova empresa retome as operações do Porto de Itajaí. O chamamento público deve ser publicado nesta semana.
A empresa escolhida poderá operar o terminal provisoriamente por até dois anos, até a conclusão do processo de escolha de um operador definitivo, com prazo de 35 anos. Para contornar a crise, ao longo das últimas semanas, o governo federal chegou a cogitar trazer para Itajaí cargas do Porto de Santos, que também é público.
O novo edital, segundo o ministro, será mais simplificado. "Não podemos esperar mais tempo da não presença de navios em Itajaí. A cidade se confunde com o porto", afirmou França no dia do anúncio.
“O nosso porto está encravado no centro da cidade. A cidade se construiu ao redor do porto. Tudo na cidade tem relação com a atividade portuária”, complementa o presidente do sindicato, Correio Júnior.
O chamamento público que pretende minimizar a crise no porto de Itajaí atende a um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pressionou o ministro para que o governo federal assumisse o processo de licitação do novo operador.
“Nesses meses, queríamos muito que a prefeitura pudesse fazer a licitação por conta própria. Ela tentou, mas a falta de segurança afasta a concorrência. Mas com a chancela do governo federal, os empresários do setor vão se sentir mais seguros e, quem eventualmente ganhar essa concessão provisória pode se interessar em ficar pelo tempo restante. Mas precisamos fazer com que Itajaí volte a concorrer com os outros portos, até porque os portos privados que estão no contorno dependem da autoridade portuária porque a dragagem é feita por Itajaí”, explicou o ministro Márcio França.
Administração municipal
Desde 1997, o porto é administrado por uma autarquia do município de Itajaí, a Superintendência do Porto, por meio de um contrato de delegação. Esse contrato venceu em dezembro de 2022, e foi prorrogado em 1 de dezembro de 2022 por mais dois anos.
“A municipalização prova com o arrendamento que a parceria público-privada dá certo. É sucesso tanto aqui no Brasil como lá fora. Na realidade, ficou a autoridade pública cuidando da infraestrutura, o explorador ganhando o seu dinheiro, e o trabalhador tirando o seu sustento. Então assim, o porto já foi privatizado, é privatizado, e nós não somos contra o arrendamento e nem a privatização. Nós queremos o trabalho, unicamente isso”, pontua Ricardo Antônio dos Santos.
Assim como nos Estados Unidos, na China e em países da União Europeia, o modelo principal de gestão portuária adotado pelo governo brasileiro é o Landlord port, em que a infraestrutura e a gestão do sistema portuário é feita pelo Estado, e cabe ao setor privado realizar a operação, por meio de concessões.
Na contramão deste modelo, durante a gestão anterior, a Secretaria Nacional de Portos pretendia, no caso do Porto de Itajaí, conceder para a iniciativa privada, além da operação portuária, a autoridade portuária, que trata da gestão do porto - como o canal de acesso e toda a infraestrutura.
Privatização
Desde a última semana, uma série de manifestações bolsonaristas na página do Sindicato dos Arrumadores Portuários de Itajaí culpa os próprios trabalhadores avulsos pela crise que assola o município.
A alegação é de que a categoria sofre as consequências de não ter apoiado a “privatização” do Porto de Itajaí, proposta pelo governo Bolsonaro. Segundo o presidente da categoria, em Itajaí, a privatização não chegou a ser efetivada, mas não por culpa dos trabalhadores.
“Foi discutido no governo Bolsonaro que deveria se privatizar tudo. Não só a operação portuária, mas a gestão, a superintendência deveria passar, deixar de existir. No Brasil foi feita essa privatização no porto de Vitória. Recentemente, decorrente dessa privatização, nós vimos que houve achatamento de salário, aumento das tarifas públicas, os clientes estão sofrendo com a precariedade daquele porto", aponta Correio Júnior.
A luta dos trabalhadores portuários de Itajaí, ele aponta, é para diminuir os impactos da privatização da autoridade portuária, como aconteceu no Porto de Vitória com a venda da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) para a Quadra Capital, representada pela FIP Shelf 119 Multiestratégia.
“Nós só queríamos discutir os nossos direitos, os direitos concursados, os direitos sociais, como que iria ficar a mão de obra, nós queríamos ser inseridos dentro do processo. Isso é uma obrigação do sindicato entrar em defesa dos trabalhadores e nós não conseguimos sentar para discutir, para debater”, pontua o sindicalista.
“A responsabilidade de privatização é toda do governo federal, trabalhador não tem força, não tem como opinar, exemplo disso que foi feito em Vitória. O que aconteceu em Itajaí foi que o federal não cumpriu o seu cronograma. Ele prometeu que estaria concluído no segundo semestre de 2022, e acabou não fazendo e não dando satisfação nenhuma”, completa.
Portonave, em Navegantes, atingiu o melhor trimestre de toda a história do terminal em 2023 / Pedro Stropasolas
Portonave
Responsável pela condução não exitosa do processo de desestatização do Porto de Itajaí, o ex-secretário Nacional de Portos no governo Bolsonaro, Diogo Piloni, foi contratado em abril deste ano pela Portonave, em Navegantes, para ser diretor-superintendente técnico.
Compondo o mesmo Complexo Portuário, o porto privado de Navegantes fica do outro lado da margem do Rio Itajaí Açu e, segundo o sindicato, vem recebendo cerca de 80% da carga de contêineres que antes chegava ao Porto de Itajaí.
O restante, segundo Correio Júnior, está indo para o Porto de Itapoá, cujo sócio majoritário é o Grupo Maersk, dono da APM Terminals. A gigante holandesa também tem levado navios de contêineres para seus terminais nos portos de Santos (SP), Pecém (CE) e Suape (PE).
“Nós temos uma linha de carga geral sendo feita nos berços públicos, que faz de 10 a 15 mil toneladas por mês. E nos navios de contêineres de janeiro até agora houve 200 unidades. O que a gente fazia de 25 mil unidades por mês se reduziu em 6 meses a 200 contêineres”, explica o representante dos trabalhadores portuários.
“O idealizador do projeto acabou indo para a iniciativa privada no porto concorrente. A gente não pode deixar de achar que isso é estranho. Deixar o nosso porto vazio. Isso a gente enxerga como sabotagem. A nossa carga toda migrou para o outro lado”, completa.
“Lixo humano”
Jorge Roberto Duarte Maia é vigia portuário de navios e trabalha há 42 anos no Porto de Itajaí. No total, o porto tem em torno de 50 vigias, 6 deles vinculados ao Sindicato de Arrumadores do Porto de Itajaí.
Para o trabalhador, a crise afeta não só a vida dos cerca de 400 trabalhadores avulsos vinculados ao porto, mas toda uma cadeia logística que impacta, sobretudo, a economia local.
“É como se a gente fosse um lixo humano, sabe? Até agora a gente serviu, até agora a gente trabalhou com a iniciativa privada, mas de repente num determinado momento eles acham que a gente não serve para mais nada, que a gente é um ser humano inútil.”
No primeiro trimestre de 2023, a Portonave, em Navegantes, atingiu o melhor trimestre de toda a história do terminal. Ao todo, foram movimentados 329,6 mil contêineres de 20 pés, um crescimento de 19% em relação ao mesmo período de 2022. Atualmente, o porto está consolidado como o segundo maior movimentador de contêineres do Brasil.
A dona da Portonave é a empresa MSC, que ultrapassou a Maersk como a maior empresa de navegação na movimentação de contêineres do mundo.
“A visão que eu tenho é de uma mentira, querer induzir a população de que nós somos responsáveis por uma falha no arrendamento, um erro de arrendamento cometido por quem estava desenvolvendo ele, o próprio secretário”, opina Jorge.
“Então a gente tem todas essas recordações, do que foi este porto e do que deixaram acontecer com ele, por falta de interesse, por descaso. O que a gente sabe ao certo, é que na outra margem tem um porto que cresceu daqui, mas que agora está dominando todo o complexo portuário. Esse porto cresceu e hoje está sozinho, sem nenhum concorrente”, finaliza o vigia.
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